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os salões de beleza e a nossa cegueira diária


luz

Eu não tenho paciência para ir em salões de beleza, minhas unhas sempre foram curtas demais para serem feitas.

Mas hoje, depois de anos, vi que elas tinham crescido um bocadinho, estavam querendo aparecer, trazer um ar mais caprichado para a rotina…logo vi que só durariam com esmalte. Marquei horário em um salão aqui da rua mesmo, e pela primeira vez em 1 ano como autônoma, saí no meio da tarde para fazer a unha. O sol estava bonito, bateu no rosto. Fui a pé. Vi que o prédio que estão levantando aqui perto já está quase na metade. O ano se foi.

O salão estava calmo. Nada como uma terça-feira à tarde para perceber que um salão de beleza com pouca gente pode ser uma experiência interessante. A televisão estava ligada. Estiquei os pés na água. Permiti que as mãos relaxassem. Fiquei pensando há quanto tempo não me desligava do mundo às 4h da tarde para fazer as unhas. Ninguém disse que era proibido. Mas nunca tive certeza se era permitido. Estipulou-se que devemos olhar para o computador o dia inteiro. Às vezes fica difícil fazer outra coisa.

Enquanto acompanhava o filme na tv, ouvi um barulho do meu lado e logo vi que tinha uma moça andando com os pés arrastados tentando chegar na cadeira do cabeleireiro. Assim que ela se sentou, percebi que ela é cega. A dona do salão começou a cortar seu cabelo, elas conversavam de coisas aleatórias e davam risadas. Puxa. Descobrir que ela é cega foi como pegar meu coração, cortar um pedaço e deixar a parte que sobrou funcionando. Aos trancos e barrancos.

Imaginem que cortem seu cabelo. Que arrumem seu cabelo. Mas você não pode ver nada disso. Pode apenas imaginar. Tocar. Sentir o a distância dos fios até o pescoço e se despedir ao sair da cadeira. Mas ela sorria. Se deixava levar em um momento particular de beleza. Fiquei pensando, ali do seu lado, que eu podia ver minhas unhas ficando vermelhas e se enchendo de cor. Eu poderia olhar para o espelho e reconhecer o meu cabelo também, se eu quisesse.

Naquele pouco tempo, percebi que eu era privilegiada por conseguir observar minhas mãos naquela tarde ensolarada. E que aquela moça sentada, cega, é muito mais forte do que eu. E muito mais forte do que todas as pessoas que eu conheço. Ela é cega. Não pode ver nada. Nem o céu desse dia. Nem as pessoas passando. Nem seu cabelo recém-cortado. E ela sorria. Sorria sinceramente e se aproveitava de todo aquele prazer genuíno de um salão de beleza às 4h da tarde.

Saí com as unhas coloridas. Ela saiu com o cabelo bonito. Pisei na calçada e desejei não me esquecer dessa tarde em qualquer dia desses que, por um segundo, eu achar que alguma coisa não está certa. Que está faltando algo. Que poderia ser isso ou aquilo. Não quero apenas ser forte como ela. Quero em todos os momentos da minha vida enxergar tão bem quanto ela enxerga, sendo cega.

Obs: A foto desse post é daqui

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